O culto em nossas igrejas tem-se revelado de certa forma trilógica, a ponto de, sem querer manchar o caráter eclesiástico de uma ou outra denominação, permitir uma crítica dos que estão de fora para os que estão de dentro. É natural e espontâneo que o homem cultue a Deus, ou, em sua ausência ou desconhecimento pleno, a uma outra divindade. O apóstolo Paulo encontrou na Grécia vestígios de adoradores de um Deus “distante”, os quais, “tateando”, tentavam encontrá-lo ( Atos 17.22-27).
Sob a perspectiva bíblica, o homem aspira por uma relação com um Ser Maior que, muitas vezes, pode estar revelado “para ele” na natureza, na pessoa de um ser piedoso e miraculoso ou até mesmo através de uma imagem que o represente. E na tentativa de se comunicar com essa divindade, o homem procura meios de externar seus sentimentos, suas emoções. O salmista escreve: “[...] minh’alma suspira por Ti, ó Deus” (Sal 40.1b)
Os cananeus costumavam dar cortes em seus corpos, para chamar à atenção a seu deus. Assim fizeram os adversários do profeta Elias, por ocasião do confronto entre este e os profetas de Baal.
Os adoradores druidas pintavam-se e sacrificavam vítimas infantis ou até mesmo adultas concomitantemente com uma estrondosa folia marcada por instrumentos tangentes e uma música de ritmo acelerado e gritos lancinantes.
A trilogia na qual tem se manifestado o culto cristão é, sem dúvida, preocupante, já que vem revelando, por um lado, resquícios de expressionismo e, por outro, um extravagante hiper-realismo. Tais modelos representam o relacionamento direto ou indireto que o adorador tem com a pessoa do verdadeiro Deus, o que vem gerando um terceiro comportamento, semelhante ao verificado durante o seguimento cultural pós-modernista. A razão pode estar, por conseguinte, na “distância” entre o adorador e o Ser adorado.
O homem é um adorador nato. Sua alma, como diz a Bíblia, aspira por Deus. Entretanto, a cosmovisão que se tem de Deus pode ser abstrata, carecendo de uma experiência real com Ele. O expressionismo abstrato é bem visto e sentido, quando o assunto é religioso. E isto pode ser observado nas pinturas e afrescos do final do século XIX e início do século XX, onde o abstracionismo refletia aspirações de mudanças na ordem econômica e político-social, abrangendo ainda o religioso.
O culto expressionista tem levado o adorador a um comportamento extremo, identificado pela forma com que ele adora a Deus. Os gestos, algumas vezes extravagantes, traduzem o apelo da alma pelo Ser Maior “distante”.
É preciso ter cuidado com os exageros da alma, pois, na maioria das vezes, refletem a busca inconsciente, dos que, tateando, querem buscar um relacionamento íntimo com Deus, e revelam a impossibilidade de fazê-lo pelos meios normais sugeridos pela instrução de Jesus à mulher samaritana (João 4.21-24).
O suspiro da alma pode ser observado ainda pelo levantar das mãos, numa atitude coreográfica, encenando um coração puro e mãos santas, traduzindo, entretanto, uma entrada abstrata no Santuário Divino.
O pronunciamento de palavras desconexas muitas vezes revela a babel em que se encontra a alma do adorador, numa atitude por demais dadaísta, em que a comunicação com o Ser adorado é feita através “do mistério e das zonas de sobra da mente e da sensibilidade”, como fruto de “realidades intuídas”, conforme declara um crítico desse movimento comportamental.
O homem, na sua busca pela oportunidade de adorar a Deus, encontra meios hiper-realistas de fazê-lo, muito embora, inconscientemente.
A mulher samaritana fora instruída a respeito de um culto aparente, irreal, mas que se confundia, em sua mente, com o verdadeiro culto. Para ela, o local era mais importante que o sentido da adoração. Para ela, seu modo de adorar era “mais verdadeiro que o real”. Sua alma, embora pecadora e transgressora dos princípios modelares do caráter de Deus refletido em Sua Lei Magna – a Torá, aspirava pela verdadeira forma de culto, mas não havia ainda obtido a resposta nos ensinamento targúmicos de seus mestres. Na perspectiva de Cristo, o verdadeiro culto é simples, mas verdadeiro; é pragmático, mas é, sobretudo, real. Ele ensina o culto na forma mais simples, mas que vem a ser a perfeita adoração. Ele ensina a perfeita integração da criatura ao Criador.
As coreografias tendem a superar a realidade vivida nos ambientes retratados, buscando impressionar o cristão, ocupando o lugar ativo e corroborativo de Deus no coração do ouvinte da sua Palavra, através da ação exclusiva do Espírito Santo.
As músicas chamativas nas quais imperam os “vem”, “fala, Senhor”, “cai por terra agora”, “se não abrir o mar” e outras tantas, de características abstratas no sentido em que são pronunciadas, transvasam sentimentos que traduzem comportamentos hiper-realistas, que, na maioria das vezes redunda num dadaísmo repetitivo e frenético, como se, na tentativa de se comunicar samaritanamente, com o Deus da revelação cristológica.
Comportamentos expressionistas e hiper-realistas não se fundem, mas se mesclam. Produzem o que se pode chamar de amálgama cultural. Neles, o culto é “bem-vindo”, “atraente”, “chamativo” e “bem espiritual”. Tais comportamentos são geratrizes de uma atitude pós-modernista, onde o adorador tenta compensar a “distância” em que se encontra do Ser adorado, pelas fragilidades da vida, comportamento esse que, na maioria das vezes, é reflexo de atitudes pecaminosas ou permissivas com relação ao pecado, vidas infrutíferas que buscam alcançar no expressionismo cultual a pretendida adoração.
O homem, mesmo em pecado, deseja aproximar-se de Deus. Esquece-se, porém, que é preciso buscar primeiro o perdão, para se estar em paz com Deus, justificado não só pela graça salvadora de Cristo, mas em plena paz do Espírito Santo. A primeira produz salvação, ao passo que a segunda gera a santificação, “sem a qual ninguém jamais verá a Deus”.
Esconder-se em formas de culto expressionistas ou hiper-realistas é o mesmo que se lancetar e dar gritos lancinantes para que Deus nos aceite diante do Seu trono de Graça e Santidade.
Destarte, em função dos comportamentos ora analisados, tem-se uma vertente implicativa para o culto cristão. “Quanto mais se multiplicam as formas de “se entrar na presença de Deus”, pode-se também incorrer na abominação, no fastio por parte de Deus em função de aparências e exteriorizações. Corre-se o risco de se ouvir Deus falar: “Quando vindes para comparecerdes perante mim, quem requereu isto de vós, que viésseis pisar os meus átrios?” (Is 1.12).
Eis, pois, algumas verdades implicadas:
– A verdadeira adoração é simples, mas, eficaz;
– Produz paz no coração do adorador, pois é real e espontânea, porque permanente;
– Não esconde frustrações e ansiedades da alma, mas revela descanso no Senhor que tudo provê;
– Permite uma reflexão genuína do nosso estado diante da Santidade divina, aferidora do caráter de Deus.
– Finalmente, permite o extravasar da alma de modo sereno, o que faculta a escuta da voz suave e meiga do Senhor.
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