sábado, 30 de julho de 2011

PRESSUPOSTOS DE UMA FÉ VIVA E CONSISTENTE


Quando se faz qualquer abordagem sobre , relacionada direta ou indiretamente com Razão, Conhecimento ou Ciência, tem-se em mente uma consideração objetiva ou até mesmo subjetiva acerca da pessoa de Deus. Efetivamente, tudo o que se refere à fé e à razão visa, no seu fim principal, à pessoa de Deus e seu relacionamento não só com o ser humano como também com todas as coisas, quer materiais ou imateriais.
É nas Escrituras Sagradas que se encontra a mais rica conceituação de fé, a saber: “Ora, fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova segura das coisas que não se veem.” (Hebreus 11.1). Ora, do ponto de vista básico, a fé é uma certeza, quer seja ela natural ou sobrenatural. Sua fonte é o próprio Deus, sendo Jesus, o Logos de Deus, o autor e consumador dessa fé. Portanto, os que creem em Deus e creem em Jesus Cristo, o Logos de Deus, podem dispor dessa fé, já que ela é uma forma de energia legada por Deus aos que o buscam, e que foram por ele gerados mediante o Logos.
Não se pode esperar que a fé seja entendida simplesmente à luz de um empirismo científico, já que ela é o fundamento de toda a esperança daqueles que creem, sendo ainda a  garantia das coisas futuras que os olhos humanos não veem. O termo grego upostasis empregado no texto neotestamentário pelo autor da Epístola aos Hebreus dá a ideia de uma base infraestutural cuja essência é por ela garantida e afirmada ontologicamente.
Em geral, os teósofos procuram fazer distinção entre a fé e a manutenção de uma proposição provável, pelo fato de que esta última pode ser algo completamente teórico.  Todavia, segundo Emmet, “[...] é somente uma resposta volitiva que nos tira da atitude teórica.” Já segundo Thompson, “O traço distintivo de fé, em contraste com simples crença, é o elemento em si da vontade e da ação [...]. Fé não é simplesmente assentir que algo é verdadeiro; é a nossa prontidão em agir naquilo que cremos ser verdadeiro.” Pode-se observar por trás destas declarações traços de uma linha filosófica anterior a Tomás de Aquino, quando se via “fé como um ato do intelecto movido pela vontade.”
Efetivamente, ao se fazer uma abordagem sobre fé, encontra-se uma série de pensamentos teológicos, alguns dos quais, apesar de simples de mais para serem sustentados, não encontram refutação, em confronto com a razão ou com o conhecimento. Em Pascal, cientista e filósofo francês, por exemplo, encontra-se em uma de suas obras, intitulada Penseés, sob o Art. II, o seguinte argumento:

“Examinemos, pois, esse ponto, e digamos: Deus é, ou não é. Mas, para que lado penderemos? A razão nada pode determinar aí. Há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se cara ou coroa. Que apostareis? Pela razão, não podeis fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não podeis defender nem uma nem outra coisa.”
 
À luz da proposta de Pascal, verifica-se que, “do ponto de vista de nossa capacidade cognitiva, o problema da existência divina deve ser colocado juntamente com a questão se a moeda cairá com a ‘cara ou coroa’ para cima.” Trata-se, pois, de uma questão que a inútil razão não poderá de forma alguma decidir. Na proposta de Pascal, a escolha de crer ou não crer é assemelhada a um jogo de sorte. Hick infere de Pascal: “No nosso cassino de jogadas cósmicas não podemos evitar apostar se Deus existe ou não existe.”
É certo que, do ponto de vista meramente metafísico, a fé não pode ser entendida e muito menos sentida por alguém. Na resposta dada por Jesus a Nicodemos, quando este o procura com evasivas, o Mestre, orientando-o, afirma: “[...]: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” (João 3.3). Confuso acerca da expressão “nascer de novo,” Nicodemos ouve a explicação de Jesus que lhe declara:

“[...] Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” (João 3.5-8).

A noção metafísica que o homem pode ter da declaração acima está justamente no fato de ser ela uma verdade racional, ou seja, uma verdade conhecida pelo Logos cuja certeza e evidência são por ele reconhecidas e que constituem a chave do conhecimento real, tal como este verdadeiramente é, e não como aparenta ser.
Para que Nicodemos conhecesse e experimentasse essa verdade, necessitava crer, tendo fé naquele que lhe transmitia tal verdade, partindo do princípio do conceito mais tarde exposto pelo autor da Epístola aos Hebreus (Hebreus 11.1). Esta foi a verdade descoberta pelo profeta Elias ao confrontar os profetas de Baal, quando teve certeza da resposta divina para incendiar o altar e queimar a oferenda que ali havia sido colocada, de modo a deixar evidente o poder de Deus como realmente é, e não como aparentava ser, em função da descrença dos infiéis pagãos e da dúvida dos judeus incrédulos (I Reis 18.20-39).
 A , portanto, pode ser entendida e praticada, não só como fé pragmática, mas também, como fé ministrada por alguém que se torne religioso. Os seguidores da divindade fenícia não tinham uma fé pragmática, fruto de uma ação repetida capaz de envolver os que a seguiam. Eram capazes de se lancetar e dar gritos, mas não eram capazes de ter fé suficiente para ver os resultados que estavam sendo propostos pelo profeta Elias. Eram religiosos que conheciam apenas a fé ministrada pelos seus sacerdotes. O mesmo não acontecia com os hebreus cuja fé era pragmática porque era fruto de uma realidade não só ministrada, mas evidenciada pelos fatos que a todo instante testemunhavam. Sua fé era sobrenatural e podia ser evidenciada a partir do momento em que surgisse uma proposta como a do profeta Elias.
   A Confiança que aquele profeta tinha de que Deus seria capaz de responder às suas orações e realizar de modo sobrenatural aquele feito por ele proposto diante dos dois lados antagônicos, era um ato de fé fiduciária[1], já que, para o profeta, o Senhor Deus era digno de confiança e tinha poder suficiente para realizar o que estava proposto diante do povo de Israel. Já a fé dos adoradores de Baal, divindade fenícia, era uma fé até certo ponto supersticiosa, embora tivesse uma implicação religiosa, uma vez que a manifestação da natureza contribuía para o culto àquela divindade. Se houvesse uma boa colheita, atribuíam-lhe esse fato e, assim, ofereciam-lhe culto e o adoravam; se houvesse perda da colheita, entendiam tal resultado como um castigo da divindade, por não tê-la adorado como deviam. Ao declararem guerra a outro povo, seus adoradores depositavam-lhe fé, mesmo sabendo que os outros povos também tinham seus respectivos deuses e possuíam fé neles. Os filisteus, inimigos dos hebreus, adoravam a Dagon, mas reconheciam a força do Deus de Israel e, diante da ameaça desse povo que os enfrentava, temeram, e seus líderes passaram a incentivar seus guerreiros, como registra o profeta Samuel:

“[...] quando souberam que a arca do Senhor havia chegado ao arraial, os filisteus se atemorizaram; e diziam: Os deuses vieram ao arraial. Diziam mais: Ai de nós! Porque nunca antes sucedeu tal coisa. Ai de nós! Quem nos livrará da mão desses deuses possantes? Estes são os deuses que feriram aos egípcios com toda a sorte de pragas no deserto. Esforçai-vos e portai-vos varonilmente, ó filisteus; para que porventura não venhais a ser escravos dos hebreus, como eles o foram vossos; portai-vos varonilmente e pelejai.” (I Sam 4.6-9).

A fé deveria ser acompanhada de um comportamento ético, moral e religioso, com prestação de culto e adoração ao Senhor Deus de Israel, o único Deus de fato em quem deveriam depositar sua confiança (fiducia) e crer em sua existência como Deus único e Criador de todo o Universo (fides). O Shemá,[2] tão conhecido dos hebreus, e que representava a profissão de fé central do monoteísmo judaico, fora esquecido algumas vezes, culminado com o péssimo estado moral, ético e religioso do povo hebreu. Esse comportamento negativo causava a ira do seu Deus, desagradando-o por completo, já que, para agradá-lo e viver bem com ele e usufruir dele e de suas bênçãos, é preciso ter os dois tipos de fé – fides e fiducia (Hebreus 11.6).[3]


[1] O modelo de fé fiduciária é parte da filosofia contemporânea americana onde se vê uma correspondência direta entre o que deposita fé e o fiel, em quem a fé é depositada. Esse modelo de fé é rejeitado por Paul Tillich que preferiu a este o modelo de fé ontológica.
[2] Shemá Israel (em hebraico שמע ישראל; "Ouça Israel") são as duas primeiras palavras da seção da Torá que constituem a profissão de fé central do monoteísmo judaico, encontradas em Deut. 6.4-9.
[3] “Fides” e “fiducia” são termos latinos incrementados na liturgia romana que significam respectivamente os dois tipos de fé: fé na existência de Deus e fé confiança.

terça-feira, 26 de julho de 2011

REFLETINDO O PASSADO


ELE CREU NO MENINO

Há muitos e muitos anos, no passado,
o povo hebreu, que a Deus havia deixado,
trocando-O por deuses débeis e vãos,
levado foi para Babilônia cativo
e lá permaneceu por muito tempo inativo,
conduzido que foi por outras mãos.

Embora em cativeiro, o povo hebreu, no exílio,
continuava a receber de Deus o auxilio
para contar as saudades que tinha de Sião.
E assim renasce no coração dos eleitos
a lembrança de Deus e de seus feitos,
e por isso o Redentor lhes fala ao coração:

“Dentre todos os povos vos tomarei
e de todas as nações vos congregarei;
levar-vos-ei de volta à Canaã.
Com água pura vos farei lavados,
e com imundície jamais sereis contaminados.
Mais alvos ficareis do que a branca lã”.

Diante da promessa divina
o povo eleito pensa e logo atina:
necessária se faz com Deus a comunhão.
E assim, porções proféticas são estudadas.
Para tanto, sinagogas são logo criadas,
onde o povo de Deus as Leis aprenderão.

Cumprindo-se do tempo a plenitude,
cumpriu-se também de Deus real virtude,
e Israel regressa à Terra Prometida.
Já no solo pátrio, o povo ingrato
esquece-se de Deus e do recente ato,
olvidando, inclusive, da promessa já cumprida.

Contudo, uma promessa havia que até o momento
não se fizera cumprida a contento,
da qual muitos hebreus se haviam esquecido.
Era o nascimento do Messias,
que estava por acontecer naqueles dias
– o Messias por Deus tão prometido.

Não obstante o quase total esquecimento,
poucos havia que, por discernimento,
acreditavam na promessa fiel.
Dentre os poucos que assim faziam
estavam Simeão e Ana que, com fé, diziam
veriam com seus olhos o Senhor do Céu.

E assim, tendo no templo entrado,
pelo Espírito Santo para lá levado,
Viu, então, Simeão a bela criança.
E cheio de fé – da Promessa um paladino,
Toma em seus braços o Deus–Menino
e começa a falar da divina esperança.

Esperança que, com seu próprio sacrifício,
de Deus sacerdote no divino oficio,
traria a paz a todos quantos O buscassem.
Seria Ele a luz para todas as nações,
iluminando os pobres e contritos corações
dos que, com arrependimento e fé, n’Ele confiassem.

“Agora, ó Deus, despede em paz o Teu servo,
pois desde tempos atrás eu conservo
a esperança de ver este Pequenino”.
Assim dizendo, e cheio de alegria,
Simeão parte naquele mesmo dia,
pois, pela fé, ele creu no Menino.

terça-feira, 19 de julho de 2011

MISSÕES DO PONTO DE VISTA ESCATOLÓGICO

                                   (Isa. 66.19)

Para os que estudam a Palavra de Deus, o termo missões tem sido entendido como um empreendimento que partiu do coração de Deus para a salvação de toda a humanidade. É o que se pode ver à luz de Gên. 3.15: “Porei inimizade entre ti e a mulher; entre tua descendência e a descendência dela; Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (trad. literal); ou ainda: “Porei inimizade entre ti e a mulher; entre o teu descendente e o descendente dela; Este te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.”[1] Quando nossos primeiros pais pecaram, Israel ainda não havia sido formado. Portanto, a promessa é para toda a humanidade. É o que se pode entender à luz de Sal 67.2: “para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação”.

Como se pode ainda depreender do texto de Gên. 3.15, a salvação de que fala o texto de Sal 67.2, só seria possível com a vinda do Cristo prometido. E isto aconteceu há cerca de 2011 anos atrás, quando, em Belém de Judá, cidade de Davi, nasceu o Senhor Jesus, o Salvador, da linhagem de Abraão, passando por Isaque, Jacó e Judá, centralizando-se em Davi, como mostram as profecias encontradas em Gên. 12.1; 49.10; Núm. 24.17; I Sam. 16.1; II Sam. 7.8-16; I Re. 9.5 e tantas outras a ele referentes.

Com a vinda do Messias – Jesus Cristo – a salvação começou a ser anunciada, primeiramente aos judeus, para responsabilizá-los, com o fim de levá-los a entender que, como nação santa[2], proposta do Deus Eterno, eles deveriam sair por todo o mundo anunciando e testificando a respeito da salvação que teve como fulcro a morte expiatória de Cristo e sua ressurreição ao terceiro dia, como diz a Escritura.[3]

Todavia, isso tudo deveria ocorrer no final dos tempos, como se entende pelo estudo da escatologia[4], como ainda assegurou o próprio Senhor Jesus.[5] A Igreja, então, foi ativada, conforme promessa de Jesus,[6] ocasião em que os primeiros judeus convertidos, dos remanescentes de Israel, começaram a pregar a Palavra na Judéia e Samária, e, após a dispersão, às nações circunvizinhas.
 
Com a propagação do evangelho pelos judeus convertidos, surgiram novos crentes, de outras nações, gentílicas, dando cumprimento à profecia de Isaías 66.18-19: “...e venho para ajuntar todas as nações e línguas; elas virão e contemplarão a minha glória. Porei entre elas um sinal e alguns dos que foram salvos enviarei às nações, a Társis, a Pul e Lude, ... a Tubal e Javã, até às terras mais remotas, que jamais ouviram falar de mim, nem viram a minha glória; eles anunciarão entre as nações a minha glória.”

“E alguns dos que foram salvos” é uma referência aos crentes que são enviados como missionários às nações. Todos aqueles missionários do passado, como os do presente, estão incluídos nesta profecia de Isaías. O Israel de Deus agora somos nós, os que fomos salvos por intermédio inicial dos nossos primeiros irmãos judeus. Társis (a Espanha e Ibéria com suas colônias além-mar), Pul (a região da Turquia e toda a parte a leste dela – a Ásia), Lude (ao Norte da África), Tubal (Europa Centro-Norte e Oriental) e Javã (Grécia e Ilhas do Mediterrâneo e as terras mais remotas (América, Indonésia, Austrália, Escandinávia, etc), são as várias nações que receberam dos nossos amados irmãos gentios salvos a Palavra e cremos, tendo sido salvos pela Graça em Cristo Jesus.

Nossos primeiros representantes foram agraciados com uma carta enviada pelo apóstolo Pedro, que os convocou para fazerem missões, como se pode entender de I Ped. 2.9-10: “Vós, porém, sois a raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia.”   

Amados irmãos gentios, embora judeus em Cristo, é tempo de fazer missões, de ir a todos os outros gentios, sejam os de perto como os de longe, para que a plenitude do tempo, de que fala o apóstolo Paulo, se realize também na proclamação do evangelho a todas as nações. Amém!


[1] O termo hebraico é masculino e é traduzido literalmente por descendência, tanto para a serpente, que personifica o próprio satanás, como para a mulher, que representa o próprio Cristo que, como interpreta Paulo em Gal. 4.4, nasceria de uma mulher.
[2] Êxodo 19.5-6: “vós sereis para mim reino sacerdotal e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel” (grifo nosso).
[3] Mat. 27.45-54; 28.1-10.
[4] Gál. 4.4-5: “Mas vindo a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.
[5] Mat. 24.3-14
[6] Mat. 16.18.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

ADORAÇÃO: EXPRESSIONISMO, HIPER-REALISMO OU REALIDADE CRISTÃ?

O culto em nossas igrejas tem-se revelado de certa forma trilógica, a ponto de, sem querer manchar o caráter eclesiástico de uma ou outra denominação, permitir uma crítica dos que estão de fora para os que estão de dentro. É natural e espontâneo que o homem cultue a Deus, ou, em sua ausência ou desconhecimento pleno, a uma outra divindade. O apóstolo Paulo encontrou na Grécia vestígios de adoradores de um Deus “distante”, os quais, “tateando”, tentavam encontrá-lo ( Atos 17.22-27). 

Sob a perspectiva bíblica, o homem aspira por uma relação com um Ser Maior que, muitas vezes, pode estar revelado “para ele” na natureza, na pessoa de um ser piedoso e miraculoso ou até mesmo através de uma imagem que o represente. E na tentativa de se comunicar com essa divindade, o homem procura meios de externar seus sentimentos, suas emoções. O salmista escreve: “[...] minh’alma suspira por Ti, ó Deus” (Sal 40.1b)

Os cananeus costumavam dar cortes em seus corpos, para chamar à atenção a seu deus. Assim fizeram os adversários do profeta Elias, por ocasião do confronto entre este e os profetas de Baal.

Os adoradores druidas pintavam-se e sacrificavam vítimas infantis ou até mesmo adultas concomitantemente com uma estrondosa folia marcada por instrumentos tangentes e uma música de ritmo acelerado e gritos lancinantes.

A trilogia na qual tem se manifestado o culto cristão é, sem dúvida, preocupante, já que vem revelando, por um lado, resquícios de expressionismo e, por outro, um extravagante hiper-realismo. Tais modelos representam o relacionamento direto ou indireto que o adorador tem com a pessoa do verdadeiro Deus, o que vem gerando um terceiro comportamento, semelhante ao verificado durante o seguimento cultural pós-modernista. A razão pode estar, por conseguinte, na “distância” entre o adorador e o Ser adorado.

O homem é um adorador nato. Sua alma, como diz a Bíblia, aspira por Deus. Entretanto, a cosmovisão que se tem de Deus pode ser abstrata, carecendo de uma experiência real com Ele. O expressionismo abstrato é bem visto e sentido, quando o assunto é religioso. E isto pode ser observado nas pinturas e afrescos do final do século XIX e início do século XX, onde o abstracionismo refletia aspirações de mudanças na ordem econômica e político-social, abrangendo ainda o religioso.

O culto expressionista tem levado o adorador a um comportamento extremo, identificado pela forma com que ele adora a Deus. Os gestos, algumas vezes extravagantes, traduzem o apelo da alma pelo Ser Maior “distante”.

É preciso ter cuidado com os exageros da alma, pois, na maioria das vezes, refletem a busca inconsciente, dos que, tateando, querem buscar um relacionamento íntimo com Deus, e revelam a impossibilidade de fazê-lo pelos meios normais sugeridos pela instrução de Jesus à mulher samaritana (João 4.21-24).

O suspiro da alma pode ser observado ainda pelo levantar das mãos, numa atitude coreográfica, encenando um coração puro e mãos santas, traduzindo, entretanto, uma entrada abstrata no Santuário Divino.

O pronunciamento de palavras desconexas muitas vezes revela a babel em que se encontra a alma do adorador, numa atitude por demais dadaísta, em que a comunicação com o Ser adorado é feita através “do mistério e das zonas de sobra da mente e da sensibilidade”, como fruto de “realidades intuídas”, conforme declara um crítico desse movimento comportamental.

O homem, na sua busca pela oportunidade de adorar a Deus, encontra meios hiper-realistas de fazê-lo, muito embora, inconscientemente.

A mulher samaritana fora instruída a respeito de um culto aparente, irreal, mas que se confundia, em sua mente, com o verdadeiro culto. Para ela, o local era mais importante que o sentido da adoração. Para ela, seu modo de adorar era “mais verdadeiro que o real”. Sua alma, embora pecadora e transgressora dos princípios modelares do caráter de Deus refletido em Sua Lei Magna – a Torá, aspirava pela verdadeira forma de culto, mas não havia ainda obtido a resposta nos ensinamento targúmicos de seus mestres. Na perspectiva de Cristo, o verdadeiro culto é simples, mas verdadeiro; é pragmático, mas é, sobretudo, real. Ele ensina o culto na forma mais simples, mas que vem a ser a perfeita adoração. Ele ensina a perfeita integração da criatura ao Criador.

As coreografias tendem a superar a realidade vivida nos ambientes retratados, buscando impressionar o cristão, ocupando o lugar ativo e corroborativo de Deus no coração do ouvinte da sua Palavra, através da ação exclusiva do Espírito Santo.

As músicas chamativas nas quais imperam os “vem”, “fala, Senhor”, “cai por terra agora”, “se não abrir o mar” e outras tantas, de características abstratas no sentido em que são pronunciadas, transvasam sentimentos que traduzem comportamentos hiper-realistas, que, na maioria das vezes redunda num dadaísmo repetitivo e frenético, como se, na tentativa de se comunicar samaritanamente, com o Deus da revelação cristológica.     



Comportamentos expressionistas e hiper-realistas não se fundem, mas se mesclam. Produzem o que se pode chamar de amálgama cultural. Neles, o culto é “bem-vindo”, “atraente”, “chamativo” e “bem espiritual”. Tais comportamentos são geratrizes de uma atitude pós-modernista, onde o adorador tenta compensar a “distância” em que se encontra do Ser adorado, pelas fragilidades da vida, comportamento esse que, na maioria das vezes, é reflexo de atitudes pecaminosas ou permissivas com relação ao pecado, vidas infrutíferas que buscam alcançar no expressionismo cultual a pretendida adoração.

O homem, mesmo em pecado, deseja aproximar-se de Deus. Esquece-se, porém, que é preciso buscar primeiro o perdão, para se estar em paz com Deus, justificado não só pela graça salvadora de Cristo, mas em plena paz do Espírito Santo. A primeira produz salvação, ao passo que a segunda gera a santificação, “sem a qual ninguém jamais verá a Deus”.

Esconder-se em formas de culto expressionistas ou hiper-realistas é o mesmo que se lancetar e dar gritos lancinantes para que Deus nos aceite diante do Seu trono de Graça e Santidade.

Destarte, em função dos comportamentos ora analisados, tem-se uma vertente implicativa para o culto cristão. “Quanto mais se multiplicam as formas de “se entrar na presença de Deus”, pode-se também incorrer na abominação, no fastio por parte de Deus em função de aparências e exteriorizações. Corre-se o risco de se ouvir Deus falar: “Quando vindes para comparecerdes perante mim, quem requereu isto de vós, que viésseis pisar os meus átrios?” (Is 1.12).

Eis, pois, algumas verdades implicadas:

– A verdadeira adoração é simples, mas, eficaz;

– Produz paz no coração do adorador, pois é real e espontânea, porque permanente;

– Não esconde frustrações e ansiedades da alma, mas revela descanso no Senhor que tudo provê;

– Permite uma reflexão genuína do nosso estado diante da Santidade divina, aferidora do caráter de Deus.

– Finalmente, permite o extravasar da alma de modo sereno, o que faculta a escuta da voz suave e meiga do Senhor.