Introdução
No Antigo Testamento, a
palavra “expiação” é a tradução literal do termo hebraico kippur que é
empregado no AT sempre no plural (kippurim).[1] Sua raiz
é o termo kaphar (cobrir), cujo sentido é dado pelo seu radical intensivo
kipper (remir; tirar tudo o que cobre e empana [a alma] de ser vista em
seu estado puro por Deus).[2] É daí
que vem o sentido secundário de “perdoar”. Quando se perdoa, deve-se esquecer
qualquer ranso de culpa que o perdoado tenha com quem o perdoa.
Na LXX, o termo verbal que
verte o sentido de expiar para o grego é eksilaskomai que não é
empregado no NT. Seu substituto no NT é a sua forma simples hilaskomai que
significa “propiciar”, ou seja, fazer propiciação, daí hilasterion
(propiciatório).
A EXPIAÇÃO
A expiação da culpa do
pecado é uma exigência de Deus para o homem pecador, para que ele esteja sempre
dentro do limite da longanimidade divina e não sofra o peso da Ira de Deus
sobre ele, por causa dos pecados cometidos. É nesse mesmo entendimento que as
nações pagãs sacrificam suas vítimas para aplacar ira de seus deuses[3].
É nesse sentido que Paulo
vê a morte de Cristo, ou seja, como expiatória (Rom 3:25). Em várias
referências, ele associa distintamente a morte de Cristo com o ritual e
conceito de sacrifício do Velho Testamento. Ele faz uma alusão direta à
oferenda de pecado que era apresentada pelo Supremo Sacerdote no grande Dia da
Expiação. Paulo descreve a morte de Cristo como “oferta e sacrifício a Deus, em
cheiro suave” (Ef. 5:2). Em Cristo, Deus fez o que a Lei não poderia fazer com
o pecado: “enviando a seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por
causa do pecado, na carne condenou o pecado” (Rom. 8:3). As palavras “por causa
do pecado” (peri hamartias) provavelmente se referem à morte expiatória
de Cristo, um fato que é reconhecido, pela leitura alternada da RSV, “como
oferta pelo pecado”. Novamente Paulo fala de Cristo como nosso cordeiro pascal,
que foi sacrificado (1 Cor.5:7).
O aspecto expiatório da
morte de Cristo é visto nas frequentes referências ao seu sangue. Deus fez com
que Cristo fosse a propiciação através de seu sangue (Rm. 3:25); somos
justificados pelo seu sangue (Rm. 5:9); obtemos a redenção através de seu
sangue (Ef. 1:7); nos aproximamos de Deus pelo sangue de Cristo (Ef. 2:13);
obtemos a paz através do sangue de sua cruz (Col. 1:20).
Jesus verteu todo o seu
sangue na Cruz do Calvário. Ele morreu à míngua, exague, já que teve várias
hemorragias internas. Teve sede, o que caracteriza a perda de sangue arterial.
Ao ser ferido pela lança, o pouco de sangue que ainda
estava em seu corpo saiu juntamente com água, pois faltava-lhe o elemento
principal de sua composição – as hemácias.[4]
A Morte de Cristo também
foi vicária. Ao morrer por nós, pecadores, sua morte tornou-se vicária
(1 Ts 5.10). Em Rm 5.8, Ele morreu por nós, quando ainda éramos pecadores. Em
Rm 8. 32, Ele se deu a si mesmo por nós. Em Ef. 5.2, Ele se fez maldição por
nós. Quando Paulo afirma que Deus fez de Cristo “pecado em nosso favor”, é que
Cristo voluntariamente veio sob a mancha do pecado, penetrou em sua mais
profundas trevas, e compartilhou com os homens seu terrível peso e pena.
A morte de Cristo também
foi substitutiva. Ao morrer na cruz por cada um de nós, sua morte torna-se
substitutiva. Verdadeiramente, cada um de nós deveria enfrentar o juízo de Deus
sobre o pecado e, consequentemente, como não podemos nos livrar humanamente de
sua condenação e culpa, fez-se mister que ele se apresentasse como o subtituto
de cada um de nós, de per si. Isto fia claro no testemunho de Paulo quando
arrazoa: “Porque dificilmente haverá quem morra por um justo; pois poderá ser
que pelo [homem] bom alguém ouse morrer” (Rm 5.7).
A morte de Cristo também
foi propiciatória. Isto é, ela nos fez chegar diante de Deus e alcançar
o Seu favor. A propiciação lembra a graça, a qual, no AT, era demonstrada de
modo reticente. Em Cristo, pela sua morte propiciatória, ela se faz eterna e,
assim, podemos estar sempre diante do trono de Deus, em graça. Esta graça tão
maravilhosa não só está presente na conversão do pecador, mas se faz presente
durante seu dia-dia e culminará com seu efeito maior e eterno, no dia do juízo,
quando seremos livres da Ira de Deus, pois é Cristo quem nos livra da ira futura,
como diz a Escritura: “Logo muito mais,
sendo agora justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm
5.9); “...e esperardes dos céus a seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os
mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira vindoura” (1 Ts 1.10).
A morte de Cristo também
foi redentora. Há quatro termos gregos que apontam para este sentido: lutron,
apolutrosis, agorazo e exagorazo. Os dois primeiros respondem por
liberdade, alforria. São formas derivadas de luo (soltar, libertar,
livrar). O pecador é livre por quem pode livrá-lo, por duas condições. Por um
lado, ele está preso a Satanaz, por haver cedido às suas tentações e perdido a
glória de Deus, tornando-se vulnerável aos ataques do Inimigo. Ao confiar em Cristo e
clamar por Seu Nome, o pecador é por ele liberto das garras do Inimigo e
readquirido por Deus, em Cristo. Por outro, ele é alforriado, deixando de ser
um simples servo rebelde e desobediente a um Senhor que não deseja que ele
pereça, mas que, por Santa Justiça, irá condená-lo ao inferno, por não ter
feito de Cristo o aplacador da ira de Deus, justo Juiz, sobre ele e seu
pecado. É como disse Jesus: “Já não vos chamarei mais servos....” (João 15.15).
Os dois últimos termos - agorazo e exagorazo, respondem por
compra e resgate de algo em hipoteca. Agorazo era o verbo empregado
pelos compradores de escravos. Dentre esses compradores havis aqueles que,
sendo bons e possuindo riquezas, faziam-se presentes nos mercados ou leilões de
escravos para comprá-los e, com documentos de alforria, dar-lhes a liberdade. Exagorazo,
por sua vez, dizia respeito ao ato
de resgate de hipotecas de algo de valor que ficava no penhor e deveria ser
resgatado antes que houvesse a perda do seu valor fixado no momento da
hipoteca. Em geral, os banqueiros e financiadores daquela época tudo faziam
para encarecer o valor atribuído no momento da hipoteca. Ficava muito difícil
para o pretendente resgatar essa hipoteca. Imagine o preço superfaturado pelo
pecado e pelas paixões infames e pelo ato rebelde de escolha para viver todo o
tempo anterior em rebeldia contra Deus, o que encarecia e superfaturava o
resgate. Mas Ele pagou esse preço. Centavo por centavo, para que nos readquirisse
a fim de podermos estar na sua presença para sempre, em glória, em seu reino. Oh,
glória!!!
A salvação torna-se, de
igual modo, supervalorizada, por semelhante audácia, pela ousadia de Cristo em
enfrentar a cruz e, por ela, a morte. A nossa salvação não tem preço a ser
pago em moeda humana. Seu preço já foi pago por Cristo por toda a eternidade.
Amados, valorizemos a
nossa salvação.
P.S. E se você que está lendo este estudo ainda não se encontra salvo em Cristo, ainda não fez sua confissão de pecador e ainda não clamou pelo nome de JESUS, a hora é esta. Não fique confiando em sua justiça, pois, nossa justiça vem de Deus, por Cristo, e só Ele nos faz justificados dos nossos pecados e faltas. A morte de Jesus foi real, pois Ele moreu como homem, e homem puro, sem pecado. por isso Ele pode salvar aqueles que, humildemente, reconhecem seu senhorio e seu poder de salvar.
Tenha fé em JESUS, e Ele o salvará agora neste instante em que você está lendo este estudo.
O próximo estudo será sobre a nossa justificação e reconciliação.
É bom de mais. Deus o abençoe com as bênçãos dos céus e com a bênção do perdão em Cristo Jesus. Amém!
[1] Provavelmente
seja o fato de que, como os pecados são cometidos, segundo a visão teleológica judaica,
vários deles ao mesmo tempo ou se encontram acumulados, há a necessidade de se
fazer uma expiação completa a cada vez que o interessado busque a mediação sacerdotal.
[2]
Esta é a visão Talmúdica acerca do Yom Kippur. O termo no plural, na
prática, enfatiza “expurgo completo” de todas as faltas, transgressões e culpa.
[3]
Ainda hoje há povos que realizam sacrifícios de animais com tal objetivo, embora
saibamos que só o Senhor é Deus.
[4] Discordo
plenamente de Ladd, pois em Cristo, nada foi figurado; foi realidade eterna. A
vítima tinha que verter todo o seu sangue, pois o sangue representava a alma do
animal. E só a ‘alma’ pura do animal poderia fazer expiação pela alma humana.
Jesus, por ser completamente puro, pôde, com seu sangue, fazer expiação pelas
nossas almas, propiciando-nos, com isso, a remissão. A única figura que há com
relação ao Seu sangue é o vinho que tomamos na ceia que simboliza o sangue de
Cristo realmente derramado no Calvário.