Poucos livros proféticos da Bíblia começam com a expressão “Palavra do Senhor” (debhâr Yehovâh). Apenas Jeremias, Oséias, Joel, e Miquéias possuem essa característica. Jonas contém a referida expressão, porém introduzida pelo verbo “ser” (hâyâh) no Incompleto e com o vav consecutivo agregado (vayhî), o que indica continuidade em uma narrativa iniciada anteriormente. Oséias pertence ao grupo dos Doze Profetas Menores, assim chamados, não pela importância de seus respectivos ministérios, mas pelo pequeno volume de seus livros em comparação aos dos quatro profetas conhecidos como “maiores”, por conterem respectivamente narrativas mais extensas.
O nome "Oséias" significa Salvação (hôshêa‘). É o nome do profeta, personagem do livro que tem seu nome. Esse profeta exerceu todo o seu ministério no Reino do Norte, conhecido na Bíblia como Israel. Outra denominação dada a esse reino, inclusive pelo próprio profeta, é Efraim, termo esse que o profeta usou para, de uma forma poética, mostrar a gravidade do comprometimento de Israel com o culto cananeu, haja vista que Efraim continuou livre durante algum tempo após a conquista do Reino do Norte (Israel), vivendo segundo os costumes dos cananeus e ferindo a Lei de Deus, ao cometer pecados de idolatria e injustiça social[1].
Oséias, filho de Beeri, era contemporâneo do Profeta Amós, tendo profetizado em meados do século oitavo a. C. É interessante que Amós tenha profetizado um juízo divino sobre Israel, sem revelar o inimigo através do qual Jeová traria tal juízo (Am 3.11; 7.11). Mais interessante ainda é que Oséias identifica esse inimigo como a Assíria (Os 7.11,12; 8.9; 10.6; 11.11).
Nenhuma outra fonte fornece dados sobre esse profeta, a não ser seu livro. E, a considerar os termos do primeiro verso do primeiro capítulo, onde se faz citação dos reis
em cujo período ele profetizou, Oséias deve ter exercido seu ministério por cerca de 38 anos[2]. Curioso ainda é o fato de que Oséias é o único profeta do Reino do Norte a deixar escrito um livro contendo o registro de seu ministério profético com suas profecias endereçadas primariamente a Israel e, de modo bem particular e indireto, a Judá[3], onde, provavelmente, tenha sido escrito o livro, tendo em vista a queda de Samária (722-721 a.C.). Seu livro consta de uma coleção de 12 livros, coleção esta que integra o chamado Livro dos Doze[4].
O pano de fundo que envolve o cenário no qual se desenrola o ministério profético de Oséias é de uma tragicidade até então ainda não contemplada pelo povo de Israel. O período se estende do reinado de Jeroboão II a Oséias (homônimo do profeta), abrangendo um período de 38 anos. Após a morte de Jeroboão II, seis reis governaram Israel por um período de 25 anos, período esse em que o Reino do Norte agonizava diante dos seus inimigos. O golpe final estava para ser dado, e Oséias, o profeta, viveu até os dias finais desse reino.
Quatro dos reis que se sucederam após Jeroboão II foram mortos pelos seus sucessores que usurparam o trono. Foram eles Zacarias, Salum, Pecaías e Peca. Oséias, o último, foi capturado em plena guerra. Apenas Menaém conseguiu ser sucedido por seu filho, Pecaías. “Esses reis, dados por Deus a Israel ‘na sua ira’ e tirados ‘em seu furor’”[5], marcaram um período de desordem tanto espiritual como moral e psicológica no meio do povo, período esse em que reinava anarquia e confusão[6].
Contemporâneos ao profeta Oséias foram Isaías e Miquéias, no Reino do Sul (Judá) e Amós, em Israel, com mensagens fortes e envolvidas com a destruição ora de Judá, ora de Israel, e com sua respectiva restauração.
Oséias viu a desintegração do Reino do Norte, quando apenas Efraim e Manassés permaneceram nas mãos do rei de Israel até sua cabal conquista pela Assíria (722-721 a. C.)[7], devido a uma política de rebeldia, insurreição e busca de auxílio vão ao Egito.
O simbolismo
Semelhante a Isaías, Jeremias e Ezequiel, Jeová emprega o método do simbolismo
para entregar a sua mensagem ao seu povo. O casamento de Oséias com uma mulher adúltera simbolizou para Israel o amor de Deus ao seu povo mesmo infiel ao pacto do Sinai[8]. A frustração e a tristeza do profeta serviu de matéria querigmática para anunciar o castigo e propor o perdão de Deus a seu povo[9].
Nessa união simbólica, Gômer e seus três filhos – Jizreel, Não Compadecida (lô’ ruhiamah) e Não Meu Povo (lô’ ‘ammî) – retratam a infidelidade de Israel para com seu Deus e a fidelidade de Deus para com seu povo que, por amor, castiga e espera o arrependimento e o retorno aos seus braços amorosos.
É proposital o não emprego do maqqeph (-) para unir o advérbio “não” (lô’) aos termos aos quais seria obrigatória a sua agregação, no estado construto. No caso em lide o simbolismo realça a gravidade da mensagem, indicando a “ameaça” de Jeová a seu povo antes da sua consumação e do objetivo proposto. A linguagem do profeta sofre influência direta do estado confuso em que se encontram sua nação e sua casa[10].
Kirkpatrick sustenta que Oséias casou-se com uma mulher idólatra, pecado esse associado à licenciosidade e ao adultério. Afirma ele que, a princípio, sua esposa era uma mulher pudica, porém, mais tarde, imiscuída na idolatria, ela tornou-se efetivamente uma pecadora[11].
Ao ter que lançar fora sua esposa infiel, Oséias pôde compreender porque Deus estava ofendido com seu povo a ponto de lançá-lo fora de sua presença. De igual modo, ao receber de volta a infiel amada, o profeta compreende o amor e a compaixão de Deus pelos pecadores. Seu sentimento é o de Cristo quando perdoou a pecadora adúltera[12].
Contexto literário de Oséias 11
A estrutura do Livro de Oséias tem sido motivo de debates entre os estudiosos. O livro apresenta, pelo menos, dois problemas intrigantes. O primeiro diz respeito à natureza da
narrativa contida nos três primeiros capítulos e o caráter de Gômer. Enquanto alguns intérpretes consideraram a estória como sendo simplesmente uma alegoria do relacionamento entre Deus e Israel, outros defendem, com mais plausibilidade, a literalidade do texto. Dentre esses últimos, alguns há que argumentam ter sido Gômer, a princípio, fiel, tornando-se, mais tarde, infiel. Outros, que ela já era infiel antes mesmo de ter sido desposada pelo profeta.
O segundo problema do livro encontra-se na relação do cap 3 com o cap 1. Apesar de não haver menção de filhos no cap 3, alguns intérpretes que ambos os capítulos são diferentes relatos do mesmo episódio. O mais provável, porém, é que o cap 3 seja uma seqüência do cap 1, onde Oséias, mesmo após Gômer ter sido infiel, foi instruído para recebê-la de volta[13].
O livro, a despeito do que pensam os estudiosos e intérpretes, apresenta um contexto literário que, até certo ponto, caracteriza um estilo de época que é comum em alguns trechos dos profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel. Esse estilo não reflete uma generalidade; porém, retrata uma particularidade ligada às mensagens proféticas do oitavo ao sexto séculos a. C.[14].
Há que se procurar uma conciliação entre o capítulo 11 e os capítulos anteriores, uma vez que esse capítulo parece ser uma retrospectiva, até certo ponto diacrônica, do que se sucedeu ao longo dos capítulos anteriores. A proposta deste ensaísta é mostrar a relação desse capítulo com as vertentes anteriores e com o desfecho do drama exposto no livro, à luz do capítulo final (cap 14).
A introdução do livro é no estilo profético, com características marcantes, como já foi mostrado no primeiro parágrafo do presente ensaio – Debhar Yehovâh. O corpo do livro é um desenvolvimento dramático e ao mesmo tempo querigmático da mensagem central que o profeta anuncia ao povo do Reino do Norte[15].
Temas proféticos são abordados no livro de maneira intermitente, mas com regularidade, como que reiterando uma mesma mensagem, sempre de modo novo e com expressões que são incorporadas como seguindo uma metodologia áudio-visual, onde palavras e atos corroboram para entendimento da mensagem profética.
Jeová é o Deus que ama, porém faz justiça; castiga, porém ama com misericórdia (hesedh). Oséias 7. 13 revela a tristeza de Jeová por se sentir em circunstâncias desfavoráveis
para efetuar a remissão de Israel[16].
Duas palavras são empregadas ao longo das mensagens de Oséias. A raiz de uma delas é (hsId) e aparece seis vezes como substantivo. A outra raiz é (rhm) e aparece quatro vezes na forma verbal do incompleto do Kal e uma vez como substantivo. Os dois termos são quase cognatos, uma vez que apresentam um dos verbetes que é comum tanto a um como a outro, que é misericórdia, compaixão.
Todavia, o primeiro traz à lembrança um tratamento – amabilidade, enquanto o segundo evoca um sentimento – compaixão[17].
A crise no casamento de Jeová com Israel, a irmã mais velha de Judá, ambas tipificadas em Ezequiel como esposas do Senhor[18], assume em Oséias uma agravante, já que o povo, representado pelos seus três filhos se prostituem, enveredando pelo caminho da mãe, símbolo da liderança comprometida com o culto idolátrico e com a falsa ideologia dos nobres e opulentos que viviam uma vida espiritual decadente e corrupta[19].
Além de uma liderança imprestável para solução dos problemas que se agravavam cada vez mais, Israel ainda se escorava nos amigos errados. Quando a nação era forte, e isso nos dias de Jeroboão II, quando o Senhor usou Jonas para dar alvíssaras de prosperidade e avanço nas relações comerciais e diplomáticas com as nações vizinhas, Israel viu nisso uma oportunidade de se apegar aos deuses que eram adorados e servidos por aquelas nações.
Ao verem as investidas bem sucedidas de algumas daquelas nações contra povos inimigos, Israel cobiçou seus deuses, tornando-os seus, num chocante pecado de adultério espiritual que seria representado mediante o drama vivido por Oséias na transmissão áudio-visual de sua mensagem. A apostasia passou da liderança ao povo e os cultos começaram a ser um fastio com requinte de nojo aos olhos do Deus Santo. Em Isaías, o Senhor retrata pungentemente esse quadro de um culto falido e apóstata[20].
A prosperidade tanto na guerra como na lavoura, desfrutada por algumas daquelas nações vizinhas, provocaram uma reação de inveja e ciúme nos que, a despeito de estarem
vivendo uma vida normal e abençoada pelos efeitos sentidos após as mensagens apregoadas pelo profeta Jonas, queriam algo mais, queriam ser como elas. O pecado é assim; ele penetra com sutileza e com muita suavidade.
Ao perceber as intenções do seu povo, Jeová começa a repreensão, permitindo baixa na lavoura e ataques esporádicos de nações vizinhas a Israel. Contudo, ao invés de recorrer à Lei e ao Testemunho (os Escritos)[21], Israel começou a “andar” e “conhecer” outros deuses, fruto de um arrazoamento sofismável: “Se eles são prósperos e bem sucedidos em tudo, seus deuses são poderosos; logo, cultuemo-los e, então, seremos como eles, prósperos”. Baal, um desses deuses, representados pelos vários baalins, torna-se comum nas oferendas feitas nos altos e nos bosques.
A prostituição já era uma realidade quando o Senhor começa a falar pelo ministério profético de Oséias. “Oferecia-se culto a Baal, o deus da terra adorado pelos cananeus”[22].
O cap 3 é curto, porém direto na sua proposição. O caráter profético-vaticinador de Oséias é apresentado neste capítulo, já que caracteriza uma predição para os dias do período messiânico, quando Israel e Judá buscariam o Rei Davi – o Messias, o Cristo.
O cap 4 é um misto de lamento e juízo, tendo seu “texto áureo” no verso 6, onde o Senhor suspende a missão sacerdotal de Israel por ter o seu povo deixado de ser povo santo, até que busque com temor ao Senhor. Desse capítulo até o final do livro o estilo poético é invejável, com poemas tocantes e ricos em figuras de linguagem[23].
Expressões como “Efraim é um bolo que não foi virado” e “as cãs (cabelos grisalhos) se espalham na sua cabeça e ele não percebe” demonstram a riqueza lírica da poesia hebraica onde força de expressão e sentimento se unem, encontrando um certo paralelo em Cântico dos Cânticos.
O capítulo 11 é tocante e nele Jeová deixa claro que nenhuma transgressão pode apagar tal amor que provém dele[24].
Jesus, em seu ministério, fez citação de um dos versos mais importantes do livro, chamando o povo de Israel à atenção para o que significa o verdadeiro amor. Ele citou Os. 6.6[25].
Tradução e estrutura de Oséias 11
a) Quando (kî)
Israel era menino, eu o amei, (sobre o amor)
e do Egito chamei a meu filho. (sobre a aliança)
b) Quanto mais (ken)
eu os chamava, mais se afastavam de mim; (sobre a apostasia)
sacrificavam aos baalins, (sobre o adultério espiritual)
e queimavam incenso aos ídolos (sobre a prostituição espiritual)
c) Todavia (ve)
eu ensinei aos de Efraim a andar; (sobre a educação)
tomei-o nos meus braços; (sobre a condução)
d) Atraí-os (‘emshekhêm)
com cordas humanas, com laços de amor; (sobre os recursos de Yahveh)
e fui para eles como os que
tiram o jugo de sobre as suas queixadas; (sobre o resgate)
e me inclinei para lhes dar de comer. (sobre a subsistência material e espiritual)
II – Castigo iminente e inevitável[28] - lições para o povo
a) Não retornarão (lô’ yâshûbh)
para a terra do Egito; mas a Assíria será seu rei; (lição de soberania divina)
porque recusam converter-se. (coração impenitente – juízo iminente)
b) Cairá a espada sobre as suas cidades, (ve hâlâh herebh)
e consumirá os seus ferrolhos,
e os devorará nas suas fortalezas. (lição sobre a ira momentânea de Deus)
c) Porque o meu povo é inclinado (ve‘ammî telû’îm)
ainda que clamem ao Altíssimo,
nenhum deles o exalta. (lição sobre a inclinação da carne)
III – Manifestação do Amor-Misericórdia-Aliança
a) Como (’êykh)
Como te entregaria, ó Israel?
Como te faria como Admá? ou Zeboim?
Está comovido (ehpakh)
em mim o meu coração,
as minhas compaixões à uma se acendem. (a manifestação do amor ~WxnI = nihûm)
b) Não executarei (lô’ ’e‘esseh)
o furor da minha ira; (a longanimidade)
não retornarei para destruir a Efraim (a bondade)
porque eu sou Deus e não homem (a imutabilidade)
o Santo no meio de ti (a santidade)
eu não virei com ira. (o amor)
IV – Manifestação do Propósito Divino
a) Andarão após o Senhor; (’aharêy yehovâh yelkhû)
ele bramará como leão; (a reivindicação de posse)
bramando ele, os filhos tremendo, virão do ocidente. (o temor ao Senhor)
b) Tremendo, virão como passarinho os do Egito, (yeherdhû ketsipôr)
e como uma pomba os da terra da Assíria;
e os farei habitar em suas casas, diz o Senhor. (consumação do Propósito)
O texto de Oséias 11 soa como uma canção de amor cantada por quem é traído, e figura no todo do livro como um oásis em meio a um deserto. O imutável sentimento de amor, misericórdia e compaixão que tem sua origem no coração de Deus é mostrado através do triste quadro de uma decadência espiritual vertiginosa. Todavia, o amor de Deus por Israel é maior que o pecado desse povo[30].
Pela exposição dos motivos e alegações contidas nesse capítulo, pode-se observar quatro divisões: dos vv. 1-4; 5-7; 8-9; e 10-11. A primeira divisão faz uma retrospectiva da libertação de Israel do Egito e realça o amor de Deus para com Israel, seu filho, em meio a uma ingratidão para com Ele, o Pai amoroso[31].
A segunda divisão retrata o caráter da “mãe” e dos “filhos” que seguem “adulterando e se prostituindo após outros deuses. Também é realçada aqui a rebeldia de Israel”.
A terceira divisão, em contraposição, revela que o Senhor “não desiste” da esposa infiel e dos filhos aleivosos. O Senhor não abre mão deles (hesedh).
A quarta divisão reassume a validade da promessa em torno da Terra Prometida e lança um olhar para o futuro, quando os dois reinos, do Norte e do Sul, estarão sob a égide do Único Rei – Davi, a saber, o Messias prometido.
Um apelo à história
O cap 11 inicia com uma retrospectiva já descrita como sendo a primeira divisão deste. O contraste é visto ao longo das reflexões que Jeová propõe ao seu povo. Primeiramente, ele evoca a lembrança do amor, em seguida, relembra a aliança feita com sangue, quando, com mão forte e terna, tira Seu povo da escravidão do Egito[32].
A expressão “quanto mais” é a tradução do termo hebraico (kên), ajustada em torno do significante mais próximo encontrado para esse termo. Quando, com o sentido
consecutivo, normalmente ele vem regido pelo advérbio ke, dando a idéia “quanto mais… tanto” ou ainda “assim como”.
Pode-se notar a diferença entre adultério espiritual e prostituição espiritual, o que é enfatizada pelos termos sacrifícios e incenso. Enquanto o envolvimento com sacrifícios tem uma idéia litúrgica, a idéia de incenso ressalta o caráter da intimidade com o deus do culto praticado, com festas e orgias, à semelhança dos que se entregaram às práticas sensuais dos midianitas-moabitas.
É tocante o desabafo de Yahveh ao refletir sobre os primeiros passos de Israel, enquanto é pintado um quadro com a figura de um pai ensinando seu filho a andar e, já adulto, não percebe que Ele é o Deus que cura as enfermidades do espírito assim como curava as mordidas de serpente no deserto.
O quadro continua a ser pintado, agora falando sobre o alimento que o tornaria forte e preparado a ponto de “engordar e dar coices” e virar as costas para o seu “possuidor”. O quadro culmina com a agravante da insensatez, marcada pelo “não entendimento”.
O verso 4 é romanticamente tocante, e lembra a aliança feita com seu povo, ao mesmo tempo em que aponta para a atração de Cristo para com sua Igreja, cujo povo será atraído a Ele.
Castigo iminente e inevitável
O verso 5 é o início da segunda divisão e fala da soberania divina sobre seu povo. Apesar de querer buscar saída no Egito, este seria conduzido à Assíria e aprenderiam a lição.
O verso 6 é um seguimento da idéia anterior, com a agravante da aflição que culminaria com a entrada do inimigo na cidade, caracterizada pela destruição das barras do portão, pondo um ponto final em seus planos de escape para o Egito.
O verso 7 lembra a queixa de Yahveh sobre os que O honram com os lábios mas têm o coração distante de Deus.
Manifestação do Amor-Misericórdia-Aliança
O verso 8 inicia a terceira divisão e possui um termo que é empregado em contraste com o juízo inevitável de Deus, porém o acompanha. É como uma campainha que dispara quando o juízo é iminente. Foi assim na ocorrência do Dilúvio. Foi assim com Sodoma e Gomorra. As cidades de Admá e Zeboim servem de alerta e compungem a Yahveh de modo que suas “compaixões” (ehûmây) se revolvem e remexem por dentro dele[33].
A imutabilidade de Deus está ligada ao Seu caráter, assim como este último é aferido pela Sua Santidade.
O verso 9 fala da grandeza do caráter de Deus e Sua ética para com o a coisa criada.
Manifestação do Propósito Divino
O verso 10 inicia a quarta divisão, dando sinais do propósito divino e de sua consumação messiânica.
O verso 11 relembra o temor ao Senhor e fecha com chave de ouro a declaração da certeza da consecução do Propósito, mediante uma expressão idiomática muito empregada para realçar a palavra de um rei em seus decretos: “Declarado por”, no caso em lide, por Jeová (ne’um yehovâh).
O verso 12 não faz parte do cap 11 no texto hebraico. É o início do capítulo seguinte. Todavia, há que se pensar sobre o caso, já que o sentido é mediador dos capítulos adjacentes. Ao mesmo tempo em que serve de desfecho apoteótico com alvíssaras para Judá, realça a insensatez de Israel que faz linha com as qualidades negativas esboçadas no capítulo 12.
O pecado de Israel e a ira de Deus
Os capítulos seguintes são uma demonstração do quanto o Reino do Norte se desviou dos propósitos de Deus. Israel que, juntamente com Judá, deveria ser uma nação santa e santificar o Nome diante dos outros povos e ainda ser um sacerdócio real para proclamar a majestade de Deus bem como Sua Vontade para todas as gentes da terra, entregou-se à pratica de pecados abomináveis como a idolatria e a prostituição.
Os dois primeiros versos do cap 12 são acusações verdadeiras de um Deus que tudo vê e sabe. Não foi somente Israel que desejou voltar para o Egito, a fim de escapar do castigo divino. Judá também tentou se esconder de Deus nas terras de Faraó, mas foi por Ele alcançado, mediante Nabucodonozor, ferramenta usada por Deus para despertar os judeus
quanto ao Seu propósito messiânico-redentor.
A punição seria para os dois reinos, do Norte e do Sul, pois perfaziam as qualidades outrora encontradas em seu progenitor – Jacó. O engano e as fraudes nas comercializações e na política eram constantes, e Israel se vangloriava por ter se tornado rico e, uma vez rico, poderia comprar a justificação para sua iniqüidade[34].
Na tentativa de recordar o esforço de Jacó em obter as bênçãos de Deus, o profeta traz de volta à luz a “esperteza” e a tenacidade com que Israel conquistou um nome glorioso diante de Deus e dos homens. É triste, porém, o esforço de Deus em conduzir Jacó mediante seus instrumentos humanos, como os profetas que, com visões e parábolas tudo fizeram para trazer Israel para junto do Senhor.
O cap 13 vai mais distante ao recordar a posição de Israel imediatamente após a prosperidade alcançada pelo ministério do profeta Jonas. Tendo-se tornado exaltado e como que modelo econômico para as nações vizinhas, agora Israel só acumula pecados[35].
Apesar de Israel se apegar aos ídolos e fazer romaria para beijá-los, o Senhor não se esqueceu dele. Todavia, o castigo virá. Um leão o acometerá e o Senhor será para eles como uma ursa roubada de seus filhotes. Israel está destruído porque abandonou ao Senhor.
O capítulo 14 é rico em apelos, e Israel deve confessar seus pecados ao Senhor para, então, oferecer o “fruto dos seus lábios” como oferta de louvor.
As promessas são as de um pai bondoso que deseja o melhor para seus filhos. Mas é preciso discernimento. A falta deste deveria ser substituída por sabedoria e entendimento.
O verso 9 lembra o final do Salmo 1, quando os justos serão recompensados e os ímpios perecerão[36].
Ingratidão para com Deus
A mensagem do Livro de Oséias pode também ser resumida no capítulo 2. Ali Yahveh faz ameaças a Israel, não sem propor o arrependimento e o abandono completo às práticas de prostituição e adultério espirituais.
O Comentário de Oséias, encontrado em uma das cavernas de Qumran, faz uma exposição para os estudantes das Escrituras daquela época acerca do comportamento aleivoso de Israel. O comentarista, sobre o v. 8 desse capítulo, assim se expressa:
“A interpretação [do versículo] é que [eles] comeram, ficaram satisfeitos, e esqueceram a Deus que [os tinha alimentado] e [os] seus mandamentos, eles lançaram para trás, os quais Ele lhes havia enviado [por] Seus servos, os profetas. Mas, àqueles que lhes [fizeram] desviar, eles deram ouvidos e os honraram; como se eles fossem deuses, temeram-nos em sua cegueira”[37].
Sobre os versos 9 e 10, o comentarista assim expõe:
“A interpretação [do versículo] é que [Ele] os abateu com a fome e a nudez, a fim de que se tornasse um escárnio e provérbio à vista das nações nas quais se apoiaram para obter ajuda; mas eles não os salvarão das [suas] aflições”[38].
Sobre os versos 11 e 12, o comentarista assim se expressa:
“A interpretação [do versículo] é que eles [levam] as festas a se realizarem [segundo o calendário] da nação; e [toda a alegria] tem se tornado para eles em lamento[39].
Não foram encontrados comentários acerca dos versos seguintes, mas, à luz do texto original, pode-se bem ver o propósito de Deus em falar à Israel mediante as palavras, ao mesmo tempo “duras” e confortantes, já que, a partir do verso 14, Yahveh derrama seu coração diante da esposa amada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARKER, Kenneth. et al. NIV Study Bible, Comentário de Oséias, Background, GR Michigan , USA , 1984, pp. 1320-1337.
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: Esboço, Mensagem e Aplicação livro por livro, Trad. Hope G. Silva. 1ª ed. São Paulo: Shedd Publicações, 197 p.
KIRKPATRICK, Chas. In SAMPEY, John R. Coração do Velho Testamento: Um Manual para Estudantes da Bíblia, p. 186.
LA SOR, William Sanford et al. Old Testament Survey: The Message, Form, and Background of the Old Testament. GR, Michigan, USA, The Paternoster Press, pp 331-346.
SAMPEY, John R. Coração do Velho Testamento: Um Manual para Estudantes da Bíblia, 1ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1934, 268 p.
SCHULTZ, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. Trad. João Marques Bentes. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1977, pp. 368-374.
[1] BARKER, Kenneth. NIV Study Bible, Comentário de Oséias, Background, GR Michigan, USA , 1984, p. 1321.
[2] BARKER, Kenneth. Op. cit., Author and Date, p. 1321.
[3] SCHULTZ, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1977, p. 368.
[4] BARKER, Kenneth. Op. cit., Introduction to the Book of the Twelve, p. 1320.
[5] BARKER, Kenneth. Op. cit., Background, p. 1321.
[6] Sampey argumenta que, após o reinado de Jeroboão II, seguiu-se um período de anarquia e confusão, em que os reis “foram maus governadores, fazendo desaparecer a moral gradativamente”. Cf. SAMPEY, John R. Coração do Velho Testamento. 1ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1934, p. 186.
[8] Sampey defende que o casamento frustrado de Oséias fora preparado por Deus para instruir o seu povo acerca da sua justiça e da sua compaixão pelo pecador. Cf. SAMPEY, John R. Op. cit. p. 186.
[9] Sampey enfatiza que o coração de Oséias “estava tão oprimido pela dor e pela vergonha, mas estava desse modo preparado para descrever, de um lado, a hediondez da apostasia, de outro, a ternura e a compaixão de Jehovah para com seu povo infiel”. Cf. SAMPEY, John R. Op. cit. p. 187.
[10] SAMPEY, John R. Op. cit. p. 186.
[11] KIRKPATRICK, in SAMPEY, John R. Cf. SAMPEY, John R. Op. cit. p. 186.
[12] Enquanto no caso da mulher adúltera, Jesus a despede, dizendo: “vai, e não peques mais”, Oséias, ao receber Gômer de volta, e, interpretando o sentimento de Deus, deixa implícito: “vem, e não peques mais”. O trecho abordado é João 7.53-8.11 e não consta da maioria dos manuscritos mais antigos.
[13] BARKER, Kenneth. Op. cit., Special Problems, p. 1322.
[14] Lamentações de Jeremias constituem o ponto apical do estilo iniciado no Séc. VIII. Suas páginas são tristes e dolorosas para o amante de Sião. Todavia, as esperanças são de um adorador que confia no amor de Jeová para com seu povo. Os vv. 14-22 do cap 5 retratam o que está implícito em Os 7.9, onde Jeová diz: “Estrangeiros lhe devoram a força, e ele não o sabe; também as cãs se espalham sobre ele, e não o sabe”.
[15] BROWN afirma que “Oséias recebeu a incumbência de chamar Israel de volta a Deus; e ele o fez de modo eloqüente e com um apelo profundamente sensível e apaixonado”. Cf. BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento, 1ª ed. São Paulo: Shedd Publicações, p.148.
[16] “…Quisera eu remi-los, mas falam mentiras contra mim” (Os. 7.13).
[17] BROWN argumenta que o termo-chave do livro é “hiesIed” e caracteriza “amor aliança”. Cf. BROWN, Raymond. Op. cit. p. 148.
[18] Idem, p. 148.
[19] BROWN argumenta que “...Oséias insistia que os reis do reino do norte nunca poderiam ser líderes úteis, de um ponto de vista espiritual”. Cf. BROWN, Raymond. Op. cit. p. 149.
[20] Isa 1. 11-15.
[21] “À Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca lhes sairá a alva” (Isaías 8. 20).
[22] BROWN informa que, quando a colheita era próspera, “os israelitas atribuíam esse favor generoso a Baal, em vez de ao Senhor Deus que lhes havia trazido à Terra Prometida”. Cf. BROWN, Raymond. Op. cit. p. 150 e Os. 2.8-13; 7. 14-16; 8.11-13; 10.1-10; 11.1-2.
[23] LA SOR reconhece em Oséias o dom de expressão. Ele afirma: “Ele tem um dom de expressão, particularmente com figuras de linguagem, que poucos poetas do Antigo Testamento a ele se comparam”. Cf. LA SOR, William Sanford. Old Testament Survey, GR, Michigan , USA , The Paternoster Press, p. 339.
[24] Sampey declara que “O imenso amor de Jeová está bem expresso em Oséias 11: 8, 9: Como te deixaria, ó Efraim? como te entregaria, ó Israel? como te faria como Adamá? Por-te-ia como Zeboim? Virou-se em mim o meu coração, todos os meus pesares juntamente estão acendidos. Não executarei o furor da minha ira: não me tornarei para destruir a Efraim, porque Eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti, e não entrarei na cidade”. Cf. SAMPEY, John R. Op. cit. p. 187, 188.
[25] Os textos onde se encontram referências a essa passagem estão em Mt 9.13; 12.7 e Mc 12.33.
[26] SCHULTZ argumenta que, para uma perfeita combinação de amor e justiça, a solução era trazer à memória a lembrança do pacto. Argumanta ele que “aqui Deus é retratado como um pai compassivo, que ama a seu filho, ao passo que antes disso o pacto entre Deus e Israel fora expresso figuradamente como um laço matrimonial”. Cf. SCHULTZ, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1977, p. 372.
[27] “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta entendimento...”.
[28] “Os versos que se seguem são discrepantes entre várias traduções, a começar pela LXX, que emprega katw,khsen (katokesen) como tradução de bWvy" (yâshûbh), e na afirmativa, quando no texto hebraico é negativo. A versão da NIV Study Bible traduz a passagem pelo texto massorético, porém fazendo uma indagação, quando no texto original seria uma afirmação. Outrossim, LA SOR vê o que seriam emendas textuais verificadas ao longo dos séculos, e afirma: “O texto de Oséias aparentemente têm sofrido mais do que qualquer outro livro do Antigo Testamento em edições e cópias através dos séculos...”. Cf. LA SOR, op cit. (Nota de Rodapé), p. 344.
[29] Este termo é empregado muito freqüentemente para exprimir o relacionamento em torno do concerto entre Deus e o seu povo escolhido. Em português, tem sido traduzido por misericórdia, bondade, benevolência e outros substantivos correlatos. Entretanto, o melhor sentido para este termo é dado na língua inglesa, ou seja, “loving kindness”, que significa “amorável benignidade”, como foi traduzido por Almeida em Jeremias 31.2. O termo em si estaria ligado ao que seria “laços de amor”, ou fidelidade conjugal, ou ainda “amor fiel”. Cf. CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento. 4ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, p. 118-122.
[30] LA SOR afirma que “rebelião alguma pode apagar tal amor”. E que “A passagem mostra então como a compaixão de Deus triunfa sobre a inconstância de Efraim”. Cf. LA SOR, William Sanford. Op. cit. p. 344.
[31] Sobre essa divisão, alguns há que consideram como BARKER, apenas duas divisões: vv. 1-11 e v. 12. Este ensaísta, porém, prefere a divisão ora esboçada no presente ensaio. Cf. BARKER, Kenneth, Oséias cap 11, op. cit. p. 1334.
[32] A imagem era tão forte e marcante para o povo de Israel que Mateus a emprega para calçar o argumento do nascimento de Jesus e sua procedência do Egito como que valorizando Sua presença com Seu povo ainda em formação naquela nação (Isaías 8. 20).
[33] Sobre esse drama divino, BROWN afirma que “...a despeito de sua rebelião e depravação, Deus os amava” e que “Mesmo quando o tinham entristecido, não era possível desistir deles...”. Cf. BROWN, Raymond, Op. cit. p. 150.
[34] Israel julgava que suas práticas aleivosas e mal intencionadas são seriam descobertas. Esquecera ele que o Senhor não se agrada de “balanças enganosas” e “pesos falsos”.
[35] Os versos 1-3 revelam o contraste entre o culto que honra a Deus e o culto prestado aos outros deuses. É chocante o paralelo encontrado entre o comportamento descrito nestes e nos versos seguintes com descrição paulina acerca dos gentios, registrada em Ro 1. 18-32.
[36] “Pois o Senhor conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá” (Salmo 1.6).
[38] Ibid. itens 12-14.
[39] Ibid. itens 15-17.