domingo, 30 de outubro de 2011

UM ESTUDO EXEGÉTICO SOBRE YAHVEH

Há algum tempo, recebi um folheto das Testemunhas de Jeová, intitulado “Quem é Jeová?” Ao lê-lo, verifiquei que havia alguma coisa boa, como nos orienta o apóstolo Paulo. Todavia, ao examiná-lo, deparei com uma declaração não convincente à luz de uma exegese sólida, feita sem tendencionismos.
Discorrendo sobre o significado do nome de Deus – Jeová – o autor daquelas linhas assim se expressou: “O nome divino é escrito com quatro letras hebraicas hwhy e  .....é considerado ser a forma causativa do verbo hebraico hawah (vir a ser; tornar-se) e por isso significa ‘Ele Causa que Venha Ser’. Em outras palavras, “Jeová se torna o que quer que seja necessário para realizar seus propósitos...”.
Diante de tal afirmação, resolvi contestar o escritor, com argumentos de uma exegese bíblica feita à luz das Escrituras Sagradas.
O fato é que na primeira vez em que Deus se apresenta ao homem com seu “nome” é a Moisés, no monte Horebe. E o faz, usando, ao que tudo indica, uma forma verbal aramaica e não hebraica. A Bíblia Hebraica atual, de cunho sefarádico, registra a declaração divina empregando o verbo atual, que é com yod (hayah) e não com vav (hawah). Isto pode ser explicado pela transição do legado caldaico-aramaico à lingüística hebraica, já que em toda a Bíblia e nos escritos judaicos o verbo predominantemente empregado é com Yod (hayah).
O Senhor declara a Moisés – Ehveh asher Ehveh – literalmente, “Serei o que Serei”, ou, na lingüística vernácula, “Sou o que Sou”, empregando, para tanto, a primeira pessoa do singular AHWH (Lê-se Ehveh) [o primeiro “h” é levemente aspirado].
Ao confrontar-se com Faraó e, evidentemente, com os líderes hebreus, Moisés, quer por reverência ou por interpretações lingüísticas, dada a força do verbo na comunicação das línguas antigas (a raiz primeira é sempre a verbal, donde procedem os substantivos, os adjetivos e os advérbios), quebrou esta comunicação direta, trazendo o verbo para a terceira pessoa, donde Yhveh (Ele é) [o primeiro “h” é levemente aspirado].
Tanto a primeira como a terceira pessoas do verbo hawah ou hayah estão na forma qal, a primeira voz na escala intensiva da verbática hebraica, aramaica, caldaica e árabe, além de outras línguas semíticas correlatas, o que significa que pode haver implicações transitivas diretas, indiretas ou até intransitivas, jamais causativas.
Pode haver inferências causativas no piel, no hithpael e em suas formas correlatas do aramaico e árabe, como é próprio do hiphil que é essencialmente causativo, e, em casos especiais, no niphal, mas jamais no qal.
Jeová jamais “vem a ser” no sentido do verbo original; “Ele é”, como entendeu Moisés.
Os hebreus acabaram por quebrar ainda mais a comunicação do Nome ao representar Yhveh de forma tetragrâmica, Yehovah. A reverência supina ao nome de Deus contrasta com a reverência que os hebreus deram ao dono do nome. Até as letras Vav, Yod e He são trocadas, na representação dos números 15 e 16 para “não ferir essa reverência”.
Do exposto, verifica-se que tal afirmação, contida no citado folheto, é “equívoca”, não condizente com a Verdade da Palavra de Deus. 

Wilson Lima, Pr, Prof de Hebraico e Metodologia Exegética do AT. no STBML e Prof de Hebraico, Crítica Textual do AT e Exegese do AT no STRG.

sábado, 1 de outubro de 2011

A IGREJA DE ROMA NOS SEUS PRIMÓRDIOS

Muito pouco se tem falado ou escrito a respeito dos primórdios da Igreja de Cristo em Roma, do ponto de vista histórico. Sabemos que o apóstolo Paulo, ao escrever sua carta à Igreja que estava em Roma, sabia que ali se encontrava um grupo de crentes fiéis que apresentavam uma fé consolidada e firmemente estabelecida na Palavra de Deus.
Paulo já havia feito duas viagens missionárias e se encontrava em sua terceira, rumando de Cencreia, distrito de Corinto, cerca de sete km desta, para Bereia, regressando a Jerusalém, não sem antes propagar o Evangelho de Cristo em várias outras cidades da Europa.
Sabemos por inferência das narrativas constantes do livro de Atos, que os judeus deram muito trabalho a Paulo. Por inferência ainda, podemos entender que os judeus chegaram a Roma bem antes dos cristãos se tornarem um grupo e se reunirem como igreja. Inscrições nas catacumbas dos judeus em Roma bem como documentos a eles alusivos dão conta de que houve ali alguns conflitos em que vários judeus perderam a vida, ainda entre o segundo e o quinto séculos da era cristã.
Segundo Richardson, havia pelo menos cinco sinagogas em Roma no início do Séc. I, sendo estas de origem hebraica. Havia ainda outras sinagogas provavelmente de prosélitos e amigos dos judeus.
Cícero (cerca de 59 a.C.), em sua apologética a Flaccus, fala de uma grande comunidade judaica em Roma que se reunia em assembléias informais e anualmente enviava ouro para Jerusalém.
Com a perseguição dos cristãos na Palestina e sua consequente dispersão, alguns cristãos, de origem judaica, foram parar em Roma, sendo, a priori, bem recebidos pelos judeus em suas sinagogas. Com o passar dos anos, tanto pela pregação centrada em Cristo, o Messias, como pelo testemunho que ostentavam diante dos seus patrícios ortodoxos, acabaram por ganhar vários deles para Cristo, o Messias tão esperado por eles e que, segundo sua mensagem, havia nascido em Belém, vivido inicialmente na Galileia, saindo de lá para reunir discípulos e pregar as boas-novas da salvação tão esperada pelos judeus hassiditas (hassidim = piedosos), vindo a sofrer a morte na cruz e ressuscitando ao terceiro dia.
Dentre estes estavam Áquila e Priscilla que compreenderam a mensagem de salvação e se tornaram testemunhas e pregadores nas sinagogas da Itália até a expulsão dos judeus de Roma por Claudius, imperador romano, como nos informa Lucas (At. 18.2) e Suetonius, historiador romano. O ano provavelmente era 49, como nos infere Lucas (At. 18.11-12) e a inscrição de Gálio, procônsul da Acaia.
Esta expulsão, segundo Osório, historiador cristão do Séc. V, teve como motivo o ressentimento que tinham contra Cristo, algumas vezes querendo tirar a vida de compatriotas seus, criando, destarte, confusões que poderiam pôr em risco o império, já que muitos judeus eram cidadãos romanos e somente Roma poderia decretar sua execução.
Como Áquila e Priscilla, outros judeus convertidos saíram de Roma e foram para outras regiões. Todavia, o Evangelho cresceu devido à conversão de gentios romanos que se apossaram da graça e se tornaram testemunhas de Cristo em Roma.
O fato é que, alguns ano depois da expulsão dos judeus de Roma, Paulo escreve sua carta endereçada aos cristãos daquela cidade (57). Febe, a quem Paulo encomenda a partir da igreja em Cencreia, é que é, ao que tudo indica, a portadora da missiva. Alguns irmãos nela citados converteram-se a Cristo antes de Paulo, o que indica a presença de uma igreja atuante e comunicadora da verdade e da fé em Cristo Jesus.
Não gozando do apreço dos judeus incrédulos, os gentios convertidos formaram sua própria comunidade cristã, recebendo, mais tarde, os irmãos judeus que rompiam com o legalismo judaico em prol do evangelho da graça. Afinal, foram eles que, do Pentecostes em diante, levaram o evangelho para suas famílias e clãs na Europa e Ásia. Foi pela pregação deles que os demais judeus e os gentios se converteram.
Levando-se em conta o conteúdo da Epístola de Paulo aos Romanos, pode-se notar que os cristãos já eram uma comunidade, ou quiçá, várias comunidades naquela cidade[1], alguns dos quais já haviam crido e recebido Cristo antes mesmo de Paulo[2].
Considerando ainda a listagem de nomes de irmãos em Cristo aos quais Paulo recomenda preciosas saudações, pode-se notar uma forte evidência do desenvolvimento de um corpo de cristãos em Roma antes mesmo de ter o apóstolo mantido qualquer contato com os mesmos[3].
A considerar a prioridade dada pelo apóstolo, em suas saudações, ao casal Áquila e Priscila, percebe-se que estes já haviam retornado a Roma, após terem sido de lá banidos por Cláudio. É, inclusive, bem provável que tenha surgido uma comunidade cristã de gentios independente das sinagogas judias antes mesmo do decreto de Cláudio em 41[4]. 

COMO O EVANGELHO SE ESPALHOU DE JERUSALÉM A ROMA 

Uma das teorias, por sinal convincente, é a de que dentre os visitantes estrangeiros em Jerusalém havia vários romanos, alguns de origem judaica e outros funcionários e familiares destes que residiam em Jerusalém, embora não sendo de origem judaica[5]. É bem provável ainda que muitos destes romanos visitantes , embora sendo judeus, mantinham a cidadania romana e, ao regressar a Roma convertidos, passaram a se reunir nas sinagogas e a relatar os fatos com a sobeja orientação do Santo Espírito de Deus (promessa cumprida).
Destarte, muitos judeus romanos creram na Palavra e outros, por rebeldia, passaram a persegui-los, ocasionando a ira do imperador Cláudio que acabou banindo os judeus cristãos de Roma.
Um fato interessante é a menção que Lucas faz, em Atos 6.9, de judeus da sinagoga dos libertinos[6]. Se alguns desses judeus receberam e creram no Evangelho, isso tornou posssível a sua recepção nas outras regiões, inclusive em Roma[7].

CONCLUSÃO 

A julgar pelo exposto, fica até certo ponto claro que judeus convertidos, que não tinham relação com a nata apostólica, levaram o Evangelho até a grande Roma, de onde se espalhou pelas sinagogas localizadas em todo o império, graças ao decreto de Cláudio que, embora banisse os judeus de Roma, não os proibia de ir para outra parte do império, o que promoveu e espalhou a boa semente nas outra regiões.
Coisas de Deus a Quem toda a honra e toda a glória! Amém!



[1] Romanos 15.22-24.        
[2] Romanos 16.7.
[3] Romanos 16.1-16.
[4] James C. Walters, “Romans, Jews, and Christians: The Impact of the Romans on Jewish/Christian Relations in First-Century Rome,” in Judaism and Christianity in First-Century Rome (ed. Karl P. Donfried and Peter Richardson; Grand Rapids: Eerdmans, 1998), 177.
[5] Pedro emprega o verbo epidemeo (epidhmew), o que indica que eram visitantes de Roma alojados em Jerusalém para as comemorações da festa da Páscoa. O termo ainda abriga os romanos que, por força de governo autoridade imperial, residiam por muito tempo em Jerusalém.
[6] O termo é latino e se aplica aos judeus de cidadania romana que foram libertos por seus compatriotas abastados que já viviam na Itália de há muito.
[7] Schnabel, Christian Mission, 805; Bruce, “Romans Debate,” 178, Cranfield, Romans, 790.